Com o avanço do movimento “body positive”, vivemos numa era em que o incentivo à aceitação de todos os corpos cresce a cada ano. Isso tem seu lado bom, e óbvio, mas também tem seu lado ruim, que muita gente não quer ver.
O lado bom é (deveria ser) que esse incentivo pode gerar uma redução na pressão sentida por pessoas que sempre se viram como “fora do padrão”, cobradas, e com sentimentos de auto depreciação, e elas comecem a perceber a si mesmas como parte de uma sociedade que nunca as “aceitou”. Isso poderia resultar numa diminuição do número de pessoas com depressão (apesar de existirem estudos que correlacionam obesidade e depressão) e transtornos alimentares/de imagem, mas nem sempre isso acontece.
Me pergunto se há realmente essa aceitação das pessoas com os próprios corpos, ou se agora o que elas sentem é a pressão por se amarem do jeito que são. Ou seja, trocou apenas o foco da questão, mas a questão ainda existe.
O lado ruim é que, com essa onda do “aceite seu corpo como ele é”, muitas pessoas que estão claramente obesas acabam por negligenciar o fato de que a obesidade, por si só, é uma doença.
Estar acima do peso, não é apenas uma questão estética. Muitas pessoas se “justificam” dizendo que seus exames estão normais. Mas saúde não é medida apenas por exame de sangue. O excesso de peso pode comprometer a autonomia de movimentos, a capacidade cardiovascular e a saúde articular. A obesidade é um processo inflamatório grande que, sozinha, é fator de risco para inúmeras doenças, como hipertensão, diabetes, câncer e até o atual querido das manchetes, o coronavírus (Sim, há pesquisas que mostram que pessoas obesas são mais atingidas pelo vírus).
Quando falamos de obesidade, muitas pessoas pensam logo nos Estados Unidos, onde a prevalência dela aumenta consideravelmente ano após ano. Mas essa realidade está longe de não ser a nossa. No Brasil, a obesidade teve um crescimento de quase 70% entre os anos de 2006 e 2018. Um estudo recente mostrou que, em 2025, o Brasil terá 29 mil casos de câncer relacionados à obesidade.
Como saber se você está acima do peso ou obeso?
A forma mais comumente usada é o IMC (Índice de Massa Corporal), que é calculado pela relação entre o peso e a altura (IMC = peso/altura²). Esse cálculo é o padrão usado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Se você fez sua conta aí, aqui está a tabela pra você ver onde se encontra no momento:
IMC < 18,5 abaixo do peso
IMC entre 18,5 e 24,9 eutrófico
IMC entre 25 e 29,9 sobrepeso
IMC entre 30 e 39,9 obesidade
IMC de 40 para cima obesidade grave
Porém, o IMC deve ser avaliado individualmente, pois existem casos, como de pessoas com muita massa magra, por exemplo, onde o IMC dará um resultado de obesidade, mas o peso está mascarado. Por isso, saber o percentual de gordura também é muito importante. E este varia de acordo com a idade e o sexo do indivíduo.
Na dúvida, procure ajuda profissional.
Relação cintura-quadril:
Uma conta super simples, mas que é ótima para avaliar se há de risco cardiovascular, é a relação cintura-quadril. Nela, dividimos a circunferência da cintura pela do quadril (tudo em centímetros).
Para mulheres, o esperado é um resultado menor que 0,85, e para homens, menor que 0,9. Resultados maiores que isso indicam que há risco cardiovascular. Isso está relacionado à quantidade de gordura visceral que a pessoa apresenta. Essa gordura é importante para proteger nossos órgãos, mas quando está em excesso, gera um desequilíbrio metabólico e hormonal, e aumento do processo inflamatório. A obesidade visceral é fator de risco para doenças do coração, síndrome metabólica e também diabetes.
Como prevenir o ganho de peso e a obesidade?
A genética pode ter um dedinho no processo de obesidade de algumas pessoas, mas não é sentença de ninguém.
O fato de a sua família apresentar histórico de obesidade ou qualquer DCNT (doença crônica não transmissível ), seja câncer ou diabetes, não te coloca numa posição de fatalidade.
O nosso estilo de vida é o que faz os gatilhos se manifestarem. Sua alimentação, seu nível de atividade física, a qualidade do seu sono e o seu nível de estresse.
Alimentação:
Acho que essa é bem óbvia, mas às vezes o óbvio precisa ser dito.
Uma alimentação equilibrada é essencial para manutenção da saúde e do peso. Comer uma variedade de frutas, legumes e verduras, leguminosas, grão e cereais integrais, e gorduras boas.
Evitar alimentos ultraprocessados, farinha branca, açúcar refinado e produtos alimentícios de uma forma geral.
Comer comida, e saber avaliar quando está com fome, e o que é fome real e o que é fome emocional.
O famoso “descascar mais e desembalar menos” é super verdadeiro!
Atividade física:
Manter o corpo ativo não é só uma questão de estética. A atividade física regular e equilibrada, ajuda a regular o intestino, reduzir o estresse, melhorar o sono e o seu humor.
Dormir bem:
Uma boa noite de sono ajuda a regular os hormônios de fome e saciedade (grelina e leptina). Quando você dorme pouco, além de dessincronizar seu relógio biológico, aumenta os níveis de grelina e diminui os de leptina, gerando mais fome e aumento do consumo calórico.
Estresse:
O estresse é necessário até certo ponto, porque é ele que nos faz agir (luta e fuga), mas o excesso de estresse faz com que a síntese de cortisol fique desregulada, e ele seja liberado em momentos desnecessários. Durante a noite, por exemplo, quando vamos dormir, o ideal é que os níveis de cortisol caiam, porém muitas pessoas vivem o dia inteiro sob estresse, e o pico de cortisol se mantém o dia inteiro. Isso faz com que haja um nível de inflamação muito grande no corpo. Inflamação essa que, como já vimos, aumenta o risco de obesidade, doença cardiovascular e comorbidades.
Para reduzir o nível de estresse e manter equilibrado o nível de cortisol, é importante manter uma boa alimentação e a regularidade na atividade física. Práticas de meditação e pranayamas também são excelentes aliadas.
Deu pra entender que todas essas ações funcionam juntas, como numa equipe multidisciplinar. E também deu pra ver que aceitar o próprio corpo é saudável sim, mas se esse mesmo corpo te coloca em risco de tantas outras coisas, você deve pesar os prós e contras das suas escolhas.
Ninguém está dizendo que as pessoas são obesas porque querem, ou que perder o peso acumulado durante os anos é fácil. Mas é possível.
Se você precisa perder peso, pela sua saúde, e não está conseguindo, procure ajuda. Muitas vezes a ajuda psicológica também é bem vinda.
Algumas referências:
http://departamentos.cardiol.br/dha/revista/9-3/hipertensaoobeso.pdf
http://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/03/881409/rbh-v21n2_68-74.pdf
https://exame.abril.com.br/brasil/obesidade-no-brasil-aumenta-e-alcanca-quase-20-da-populacao/
https://pebmed.com.br/coronavirus-e-o-paciente-com-obesidade-quais-os-principais-desafios/
https://www.endocrino.org.br/obesidade/
https://abeso.org.br/pesquisadores-analisam-relacao-entre-obesidade-e-depressao/